Tecnologia a favor dos cidadãos

Em visita ao Brasil, o ex-presidente da Estônia, Toomas Ilves, hoje professor em Stanford, conta a trajetória do país báltico, de Ex-URSS para nação digital mais avançada do mundo. De forma direta e resumida, compartilha também a fórmula utilizada pela Estônia e os desafios enfrentados pelo país no processo de digitalização.

O pequeno país é hoje considerado uma referência quando o assunto é tecnologia. Desde 1991, após sua independência da União Soviética,o país apostou na digitalização para multiplicar seu PIB per capita, saindo de 72 euros em 1991 para US$ 19.800 em 2018. De quebra, também viu grandes empresas surgirem.

Olhando para o futuro e o investimento em tecnologia

Toomas Hendrik Ilves, um dos principais responsáveis por esse processo revolucionário, comentou em uma palestra no Brasil durante o evento GovTech, sobre os desafios que a Estônia teve que superar para conseguir atingir o patamar em que está hoje.

Toomas Hendrik Ilves presidente da Estônia em 2013
Toomas Hendrik Ilves em 2013, quando era presidente da Estônia.

“Começamos a fazer isso muito antes de eu virar presidente. Para nós foi uma forma de sair do extremo atraso, da extrema pobreza. No começo dos anos 1990, tínhamos acabado de sair de um domínio soviético de 50 anos. O que você vai fazer? Não tínhamos dinheiro. Existiam algumas ideias e essa funcionou. E continuou funcionando”.

Toomas Hendrik Ilves, presidente da Estônia entre 2006 e 2016.

Quatro pontos que tornam a Estônia um país digital

  • Documento digital: Quase toda população tem um cartão de identidade com um chip devidamente criptografados. Ele fornece acesso a todos ao sistema digital da Estônia, no qual é possível solicitar serviços de forma prática e simples, reduzindo a burocracia e diminuindo drasticamente o uso de papel.
  • Votação pela internet: Desde 2005 é possível votar pela internet. Isso funciona graças ao cartão que identifica a pessoa digitalmente de forma segura. É necessário apenas que se tenha um PC conectado.
  • Histórico de saúde: No sistema, implementado em 2008, ao se realizar visita ao médico, exames ou emissão de receita para remédios, tudo fica vinculado à identidade digital. Assim, é possível que os médicos, previamente, acessem o histórico médico do paciente para tomar decisões mais assertivas.
  • Cidadania digital: A Estônia, pensando no futuro de um mundo sem fronteiras e buscando atrair pessoas para movimentar sua economia, criou o que chama de e-Residency. Com o programa, você pode se tornar um residente virtual, ou seja, é possível ter acesso aos serviços do país, sem necessariamente morar lá. Com isso, também é possível criar uma empresa na Estônia e ter acesso direto e facilitado ao mercado europeu.

O sistema que faz a máquina andar

X-Road

Criado em 2001, o X-Road, é um sistema de troca de informações descentralizado, com bases de dados separadas, porém com compartimentos virtuais, de modo a facilitar e agilizar a comunicação.

O princípio de funcionamento se dá da seguinte forma: diferentes ministérios do governo administram seus próprios dados separadamente. As informações não são duplicadas pois cada uma delas pode ser acessada por qualquer outro ministério.

Para exemplificar, quando o bebê nasce, essa informação é enviada direto do hospital para o registro de população. De lá, os dados são direcionados ao departamento de saúde, para que ele tenha um seguro-saúde e um pediatra.

Isso simplifica a vida do governo e do cidadão. A mãe não precisa realizar o trâmite de ir em vários locais diferentes e o governo não tem gastos com papelada e funcionários. A Estônia economiza 2% do PIB pelo uso do X-Road, no geral.

A identidade digital

A identidade digital segue os seguintes princípios:

  • Ser único e seguro;
  • Ter validade legal;
  • Usar autenticação em duas etapas;
  • Ter criptografia de ponta a ponta;
  • Ser distribuído de forma abrangente, mas sem ter uso obrigatório.

Na Estônia é necessário a presença física para se casar, divorciar ou comprar/vender um imóvel. Todas as demais coisas é possível de se faer online.

O receio da Rússia

Em entrevista exclusiva da UOL Tecnologia, o ex-presidente da Estônia, Toomas Ilves, comenta alguns pontos interessantes:

UOL: A Estônia está independente há 26 anos, mas a Rússia se mostra hostil aos vizinhos. Vocês temem ataques russos? Esses avanços em tecnologia da informação são uma forma de defesa?

Toomas Ilves: Fomos atacados digitalmente pela Rússia em 2007. E a retórica da Rússia é muito hostil, não só a nós, mas a todo mundo. Então, claramente, investimos muito em segurança cibernética – não só financeiramente. Pensamos muito sobre segurança cibernética intelectualmente. Então sim, nós tememos (ataques da Rússia).

UOL: A falta de regras internacionais para o uso da internet dificulta combater ou apurar ataques cibernéticos?

Toomas Ilves: Você pode identificar depois (o responsável por um ciberataque), o problema é que não consegue fazer isso imediatamente. Quando se trata de hacks e brechas, existe um campo de estudos inteiro para determinar responsabilidade, chamado de forense digital. Mas pode levar meses e meses para saber quem fez alguma coisa. Não faz tanta diferença se, um ano depois, você percebe que alguém derrubou seu sistema de energia.

O ciberataque

Em 27 de abril de 2007, um grande ataque digital paralisou a Estônia.
Ele afetou bancos, governo, jornais e redes de televisão. Apontada como culpada, a Rússia nunca reconheceu a autoria.

O incidente gerou duas consequências marcantes. A primeira delas é que a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) fundou um Centro de Excelência de Defesa Cibernética Cooperativa, cuja sede fica em Tallinn.

O outro foi a implementação do blockchain no X-Road, para dar mais segurança aos dados governamentais, privados e corporativos estonianos.

Como proteger dados na era da internet?

As pessoas e os países estão apenas começando a se movimentar na direção da proteção dos dados.

A Europa adotou uma lei dura criando em 2018 o GDPR, Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados, RGPD em português. É um regulamento do direito europeu sobre privacidade e proteção de dados pessoais, aplicável a todos os indivíduos na União Europeia e Espaço Económico Europeu.

Ele regulamenta também a exportação de dados pessoais para fora da UE e EEE e tem como objetivo dar aos cidadãos e-residentes formas de controlar os seus dados pessoais e unificar o quadro regulamentar europeu.

Colaboração internacional

A Estônia exportou seu sistema para a Finlândia e apresentou-o a dezenas de outros países, entre eles Argentina, Uruguai, México, Canadá e Japão. O X-Road também inspirou a criação de programas semelhantes em outros países.

Percebe-se a necessidade de uma cooperação entre democracias, que têm eleições livres e justas, que respeitam direitos humanos, que têm liberdade de expressão, porque a internet não tem fronteiras.

Algumas delas sofrem ataques de governos autoritários, tentando manipular a política de formas diferentes, com boatos e propagandas no Facebook a hacks em partidos políticos e servidores.

Crias da Estônia

Skype

A invenção do Skype por jovens estonianos teve um enorme impacto na autoestima de todo país, que inventou algo que é uma marca internacional.

Em 2011, a Microsoft comprou o Skype por uma valor de $8,5 bilhões de dólares.

TransferWise

A Transferwise se trata de um aplicativo para transferência de dinheiro entre países de modo econômico, fácil e rápido, possui hoje mais de 4 milhões de clientes e movimentam mais de $4 bilhões de dólares todos os meses.

O sistema economiza em média $4 milhões em tarifas bancárias todos os dias. Possui 11 escritórios, com mais de 1.300 empregados, em 4 continentes.

Playtech

Fundada em 1999 em Tartu, a Playtech fornece funções de desenvolvimento, produção e suporte ao cliente para as operadoras de jogos parceiras.

Esse fato a torna a maior empresa de desenvolvimento de software da Estônia e um de seus unicórnios. Atualmente está presente em diversos países.

Pipedrive

Fundada em 2010, o Pipedrive se trata de uma ferramenta de CRM (customer relationship management) para ajudar os usuários na visualização de processos de vendas e aumentar ainda mais a produtividade.

Ele foi criado com base em atividades e utiliza uma abordagem comprovada que consiste em agendar, completar e acompanhar atividades.

Fonte: https://www.uol/tecnologia/especiais/toomas-hendrik-ilves.htm#tematico-1

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